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O TEMPO DA TERAPIA NO TEMPO DA CONTEMPORANEIDADE

Atualizado: 4 de jun.


Obra: A Persistência da Memória, de Salvador Dali (1931)


Que tempo é este em que vivemos?  Naquilo que é chamado de pós-modernidade ou modernidade tardia para alguns. Uma época em que nunca tivemos tão conectados, podendo encurtar os espaços e o tempo para a comunicação através dos adventos da tecnologia e redes sociais. Vivemos na era do imediato, ou como diria Lipovetsky, do “Time is Money” e da cultura do excesso, em que se procura rentabilizar, conseguindo mais quantidade em menos tempo, por exemplo com os fastfoods, fastfashion, uso de substâncias, tinder, apps de encontro, livros de autoajuda com fórmulas mágicas da felicidade, entre outros. A compra e inclusive o encontro, podem estar à distância de um click. No entanto, tem ocorrido um adornamento da fôrma, em detrimento da fórma. Uma primazia da quantidade em detrimento da qualidade. Apesar da grande liberdade de escolhas, desde estilo, o que comer, estilos de vida às ideologias com que mais nos identificamos, a angústia é predominante. Zygmunt Baumann nos fala da modernidade líquida e dos amores líquidos, que escorrem e não permanecem. Resta um vazio, uma sensação de incompletude, pois ao nos relacionarmos com tudo, acabamos por não relacionar com nada ao mesmo tempo. Nossa personalidade fica dispersa, fragmentada, em que não há uma continuidade histórica, mas saltos entre áreas. Há uma urgente demanda para se fazer tudo, viver tudo, o que é impossível e a angústia vem do peso da liberdade da escolha, de ter a responsabilidade por escolher o que queremos fazer com o nosso tempo, investir na construção de nossa realidade.


Como saber o que escolher? Não há resposta pronta e ela pode mudar ao longo da vida, mas para a felicidade sabe-se que a autenticidade é essencial, assim como o autoconhecimento. Em um mundo de aparências e do culto da felicidade instantânea, emoções como a tristeza, a raiva e o medo, são mascaradas com photoshops imagéticos, distratores ou químicos. A desatenção às nossas emoções impede a compreensão real de nossa relação com os outros e com o mundo. A tristeza pode indicar uma necessidade de reajuste de expectativas, a raiva, uma revolta por terem ultrapassado limites pessoais, a alegria, o experienciar de algo que vai de encontro ao seu ser, entre outros. É essencial conhecer as emoções e permitir que nos orientem, como bússolas, indicando como ajustar as nossas relações de acordo com aquilo que nos trará felicidade. A felicidade é feita de momentos e, aqueles que nos eternizam, quando o “tempo para” dando consolo ao conhecimento de nossa mortalidade, são aqueles em que realmente há um encontro, uma imersão em uma experiência em que se deixa um legado, seja pelo amor à uma pessoa ou do encontro de nós com nós mesmos, na expressão artística, na escrita de uma obra ou com a possibilidade de contribuir com uma maior abrangência para a compreensão da realidade e na sua melhoria através de alguma área de trabalho. É aqui que a psicoterapia é essencial, na necessidade de um mergulho em nossa história, para o autoconhecimento e para escolher com autenticidade em o que queremos investir o nosso tempo, afetos e criatividade.


Em um tempo partilhado acelerado, o tempo na consulta é o subjetivo. Cada um, terapeuta e paciente experienciam o tempo à sua forma, fruto também de um dinamismo criado na relação e é nesta relação de qualidade e que não promete resultados imediatos, que um pode parar, pára para viajar no tempo. No presente, viaja-se ao passado, para remodelar o presente e o futuro. No presente da relação psicoterapêutica, contínua, atenta e imersiva, uma pessoa pode viver uma nova forma de se relacionar e de ser vista, permitindo também o vivenciar de emoções e o ressignificar e elaborar o que se sucedeu em experiências passadas. A escola francesa fala no après-coup, quando nos damos conta de que sofremos um trauma muito depois deste ter se sucedido. Ao invés de rótulos diagnósticos, cristalizando uma pessoa no tempo e no espaço, procura-se na terapia a transformação, afinal, por uma perspetiva fenomenológico-existencial ou mais próxima da psicanálise relacional, o ser nunca é, mas está a ser e aquilo que ele tem sido depende da repetição do que fora antes. Trago aqui a máxima psicanalítica, que para não repetir, é preciso relembrar, elaborar e transformar. A psicoterapia é um mergulho na subjetividade, permitindo, com o tempo, transformar aquilo que em nós ficou automatizado, nossos mecanismos de defesa, nossas formas de se relacionar com objetos e a própria transferência, ou se quiserem, repetição no agora de padrões relacionais que foram aprendidos na infância com os pais ou cuidadores.  A compulsão à repetição seria também uma negação implícita da passagem do tempo, presos no passado. A psicoterapia permite que, com o tempo, uma pessoa, em sua continuidade histórica escolha, ao invés de agir ou reagir no aqui-agora, permite uma viagem no tempo para um reapropriar-se de si como seu próprio criador, sabendo que está a ser da forma que tem sido por diversas razões, podendo vir-a-ser aquilo que almeja. Apesar de nossos impulsos e automatismos, ganha-se o poder da autonomia da escolha. Não podemos escolher aquilo que queremos, mas escolhemos aquilo que fazemos, de forma que a liberdade e a felicidade desta resultante adviria não de se fazer o que quer, mas de querer o que se faz.


O tempo da psicoterapia é outro, às vezes as sessões passam rápido, às vezes vagarosamente, a depender do nível de envolvimento e imersão na consulta. O tempo e o espaço sentidos se aproximam mais da dinâmica inconsciente, como nos sonhos, em que podemos estar no passado, no presente e futuro ou sermos diferentes pessoas sem fazer confusão. Assim como podemos rapidamente mudar de espaços. Não é à toa que os sonhos têm também uma função de regulação emocional. A psicoterapia também permite, em consequência de seus processos, que uma pessoa tolere mais a frustração, que, como Bion colocaria, troque o agir a partir de sensações não nomeadas no pensar.  O psicoterapeuta, muitas vezes fazendo o papel da mãe suficientemente boa de Winnicott, permite transformar elementos beta em alfa e contribuir com o desenvolvimento do aparelho de pensar do paciente. Quando se teve uma relação segura, aceitante, empática, como na psicoterapia, uma pessoa ganha a tolerância à frustração, justamente porque consegue esperar, porque sabe que, apesar de falhas na relação ou na vida, os cuidados e atenção voltarão. Um bom psicoterapeuta dançará no tempo subjetivo do paciente conforme a melodia que este toca, respeitando os seus ritmos.  O lidar com a frustração permite o pensar, o recordar, o sonhar. Na sociedade contemporânea não há muito espaço para o pensamento, com discursos prontos e resumos, ainda mais com o advento da IA, que pensa por nós. Aqui se lançarão novos desafios.


Em suma, a psicoterapia pode ser um respiro de ar fresco, um encontro em meio aos desencontros da vida, tal como a alegria de voltarmos a sermos vistos quando tiramos as máscaras após a pandemia. Finalizo aqui então com uma questão:

No que quer investir o seu tempo?

 

 



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