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Efeitos e Repercussões Psicopatológicas do Consumo de Substâncias Psicotrópicas

Atualizado: 24 de fev. de 2023



Introdução


O consumo de substâncias e a toxicodependência apresentam-se enquanto problemas no mundo todo. As investigações recentes da Organização Mundial da Saúde apontam que 275 milhões de pessoas, 5,6% da população mundial, com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos, usaram drogas ao menos uma vez ao longo de um ano. Aproximadamente 31 milhões de pessoas que consomem substâncias sofrem de perturbações de dependência de substâncias e outras psicopatologias associadas, assim como aproximadamente 450,000 pessoas morreram em 2015 devido ao consumo de substâncias, sendo as mortes atribuídas por overdose (maioritariamente por opióides) e doenças contagiosos como a hepatite e o HIV adquiridas por meio do contágio através de maus procedimentos no consumo por via intravenosa.


O consumo de substâncias varia entre países, assim como consoante o nível socioeconômico e contextos de lazer. Hoje em dia se consideram duas tipologias de cenários que ilustram o iniciar do consumo de substâncias em jovens: por um lado as drogas são usadas em situações de entretenimento para aumentar a excitação e intensificar a experiência e, por outro lado, pessoas vivendo em condições extremamente desfavoráveis fazem uso de substâncias para lidarem com suas dificuldades. As substâncias utilizadas nestes dois cenários são muito divergentes. Em situações socioeconômicas mais favorecidas o uso é reportado em meios universitários e festividades (raves, festivais, clubs) onde as drogas mais usadas são maioritariamente álcool, cannabis, ecstasy (MDMA), cocaína, ketamina e LSD . Entre os jovens que vivem nas ruas e/ou com extremas dificuldades socioeconômicas e psicológicas (experiências de abuso sexual, físico, psicológico, entre outros), as drogas de maior uso seriam o álcool, cannabis, compostos residuais de outras drogas (como crack e oxi) e inalantes, podendo ser citados o petróleo, tintas, corretores e cola. Há ainda um outro tipo de consumo, independente da classe social, cujos fins são espirituais e de autoconhecimento. Para estes fins, são utilizados os enteógenos, substâncias psicodélicas que originalmente e ainda hoje, são utilizadas em rituais indígenas com o propósitos de auxiliar às pessoas no processo de transcendência (com o divino, com uma força superior ou com o cosmo em si) e alcançe de níveis mais abrangentes de consciência. Algumas dessas substâncias seriam o chá de Ayahuasca (princípio ativo - DMT), argiréria e morning glory (princípo ativo - LSA), peyote (princípo ativo - mescalina), cogumelos alucinógenos, entre outros.


Os fatores que levam um jovem a prolongar os seus consumos de modo danoso são inúmeros, devendo adotar-se uma postura sistêmica e inter-relacional entre os fatores. Há fatores a nível individual (como o comportamento, a saúde mental, o desenvolvimento neurológico, heranças genéticas e meios de coping para lidar com dificuldades), a nível do contexto proximal (funcionamento parental e familiar, meio de ensino/trabalho e influências do ciclo social/amigos e colegas) e do contexto mais amplo do indivíduo (ambiente físico e socioeconômico). No geral é a combinação crítica dos fatores de risco (trauma e adversidade na infância e/ou atuais, como abuso e negligência, problemas de saúde mental, pobreza, uso de substâncias por membros do ciclo social próximo e acesso facilitado às substâncias, isolamento, clima escolar negativo e busca de sensações) que estão presentes e os fatores protetores que estão ausentes (envolvimento e monitorização dos cuidadores, saúde e desenvolvimento neurológico normal, capacidades de resolução de problemas e regulação emocional, segurança física e inclusão social, segurança da vizinhança e ambiente escolar positivo) em determinada fase da vida de um indivíduo que o torna suscetível ao consumo de substâncias.


O consumo vulnerável e danoso de substâncias por parte de jovens pode ter múltiplos efeitos: desenvolvimento de psicopatologias, problemas de saúde física, desemprego, relações sociais disfuncionais, criminalidade e menor expectativa de vida. Há também consumos de substâncias reportados em adultos com idades superiores a 40 anos, dados em grande parte pela continuidade do uso de substâncias que se iniciaram na juventude.


Cabe ressaltar que com o aumento da indústria de entretenimento, assim como do mercado de substâncias psicotrópicas, as experiências e significados tecidos no consumo têm se diversificado. Alguns consumidores, pelo balanço negativo entre fatores protetores e fatores de risco acabam por se tornar usuários vulneráveis e problemáticos, entretanto tendências contemporâneas no consumo de substâncias psicoativas entre jovens acabam por considerar um perfil de usuário não problemático e não recorrente, com fins recreativos e não visto enquanto marginalizado (Balsa, Vital, Urbano & Pascoeiro, 2007; Duff, 2005; Gourley, 2004; Measham, 2004; Parker, Williams & Aldridge, 2002; Pilkington, 2007), assim como o uso ocasional e com fins ritualísticos dos enteógenos. Entretanto, a maior parte dos usuários desconhece os verdadeiros efeitos psicopatológicos das substâncias e aqui se explicitarão os efeitos e consequências psicológicas mais conhecidas do uso de diferentes substâncias.



Uso de Substâncias e Perturbações Psicológicas


Existe uma comorbidade de dependência de substâncias psicotrópicas em indivíduos que sofrem de doenças mentais, em comparação com indivíduos sem nenhuma perturbação mental. Há algumas hipóteses para tais co-ocorrências:


1-Uma base neurobiológica semelhante (por exemplo, os sensation seeker - personalidades que têm necessidade de vivenciar sensações fortes - tendem a ter uma produção relativamente inferior de dopamina e de adrenalina e logo buscam compensar no uso de substâncias),


2- O consumo de substâncias pode aliviar alguns dos sintomas da doença mental ou dos efeitos secundários de medicamentos,


3- O consumo de substâncias pode desencadear doenças mentais e/ou causar alterações biológicas que têm elementos em comum com doenças mentais.

Dentre as substâncias psicoativas, há diferentes categorias, que podem ser divididas em depressoras do Sistema Nervoso Central (ex.: álcool, sedativos/hipnóticos, solventes voláteis), estimulantes (ex.: nicotina, anfetaminas, cocaína, ectasy), opióides (ex.:morfina, heroína) e alucinogénicos (ex.: LSD, cannabis, DMT).


Efeitos e Consequências

Apesar dos efeitos e consequências do uso de substâncias não serem universais, por dependerem de inúmeros fatores (saúde mental, personalidade do sujeito, qualidade do produto consumido, potência do produto, estado emocional em que consome , ambiente em que consome, para além de presença ou não de psicolopatologia tanto pessoal como a nível familiar), aqui serão apresentados dados que se apresentam de modo significativo na população.


Álcool


Em Portugal a prevalência do consumo de álcool é de 86,4% da população e no ano de 2017, 44,7% dos homens e 18,1% das mulheres relataram prevalências de consumo de binge( consumos esporádicos caracterizados de elevada ingestão em curto espaço de tempo) com embriaguez. A prevalência de consumo abusivo de álcool e de dependência é de 3,5% da população, sendo 6,2% do sexo masculino e 1% do sexo feminino. Os números são alarmantes também quanto a precocidade dos consumos, de modo que em 2017, 30,6% de jovens de 13 anos já haviam ingerido alguma bebida alcoólica na vida e 3,4% dos mesmos haviam praticado binge no último mês. Em 2016, as Forças da Segurança registaram que 41% dos denunciados por violência doméstica sinalizaram ter problemas relacionados com o álcool. No inquérito nacional sobre comportamentos aditivos em meio prisional, no ano de 2014, registou que 28% dos jovens de 16 anos ou mais que haviam cometidos crimes disseram terem estado sob efeito do álcool.


Efeitos

Os efeitos principais são a desinibição social e a euforia (benéficos quando o consumo é moderado), associadas a redução das capacidades motoras (equilíbrio, coordenação, reflexo), do controlo dos impulsos e ao aumento da frequência cardíaca e respiratória. O consumo elevado pode levar a coma alcoólica e morte devido ao entorpecimento de todos os sistemas fisiológicos e à redução máxima de atividade do sistema nervoso central.


Consequências

O consumo prolongado leva a alterações cerebrais, acompanhado de perturbações cognitivas tais como a dificuldade no controle de impulsos, na tomada de decisão e resolução de problemas, para além de diminuir o volume do cérebro. A depressão e a ansiedade estão também associados.


No género masculino, o abuso de álcool está associado ao déficit no controlo de impulsos, agressividade e delírios de ciúmes, estando muitas vezes presente em casos de crimes passionais e de violência doméstica. No género feminino o abuso de álcool está mais associado à ansiedade e depressão.


A abstinência de consumo crônico pode incluir tremores, convulsões, sudorese, fraqueza, agitação psicomotora, ansiedade, cefaleias, náuseas, insónias, alucinações de tipo visual transitórias e delirium tremens.


Tabaco


Em Portugal a prevalência do consumo de tabaco é de 48,8% da população.


Efeitos

A nicotina pode atuar de um modo estimulante quando os fumadores experimentam fatiga e um nível de atividade baixo, assim como pode atuar de modo tranquilizante quando se sentem muito ativados e ansiosos.


Consequências

Em longo prazo há alterações significativas, culminando em dependência. A abstinência é caracterizada por irritabilidade, hostilidade, ansiedade, disforia, apatia, diminuição do ritmo cardíaco e aumento do apetite. Os efeitos de uso prolongado são conhecidos, tais o cancro de pulmão, da garganta, da língua, assim como danos a nível do sistema circulatório, bronquites e efizemas.


Cannabis


Em 2016, a Organização Mundial da Saúde registou que havia 192 milhões de usuários de cannabis no mundo. Em Portugal, a cannabis representa a droga ilícita mais consumida, apresentando prevalência de aproximadamente 11% da população, sendo essa maior na população jovem (15-34 anos). O consumo desta substância inicia cada vez mais precocemente, estimativas sugerem que 13,8 milhões de jovens com idades compreendidas entre os 15-16 anos usaram cannabis no ano de 2017. Tal exige extrema atenção, uma vez que o consumo precoce altera e impede o processo biológico de crescimento e desenvolvimento das estruturas neurais, aumentando facilmente o desenvolvimento de patologias do foro neurológico e psíquico.

Efeitos

Seus efeitos incluem relaxamento, aceleração do pensamento e da atenção, insights e aumento da criatividade, aumento do apetite, hiperemia conjuntival (olhos vermelhos), boca seca, confusão e desorientação espacial e da noção da passagem do tempo, sintomas psicóticos (alucinações, paranoia) e de ansiedade (podendo incluir ataques de pânico), alteração dos sentidos, diminuição da coordenação motora e do tempo de reação, assim como alterações de humor.


Consequências

Desde 2017 o uso recreativo de cannabis tem sido autorizado e legislado em diferentes países, entretanto é muito cedo para averiguar as consequências na saúde mental a longo prazo, embora se tenha evidências de que o consumo regulado e moderado pode auxiliar os usuários em diferentes questões, como ansiedade, depressão, insónia, libido e várias outras necessidades a depender do tipo da planta/strain utilizado.

Algumas das consequências visíveis do uso de cannabis (especialmente ilegalmente) seriam a maior hospitalização devido à intoxicação aguda, com usuários em crise a apresentar ansiedade, ataques de pânico e náuseas. Entretanto, pode-se ter maior controlo sobre a qualidade do produto e quantia ingerida, de modo que o comércio legalizado de cannabis exige um produto de concentração máxima de 9% de tetrahidrocannabiol (THC) e um mínimo de 3% de canabidiol (CBD), sendo estas as propriedades psicotrópicas (causadoras dos efeitos psíquicos) e antipsicóticas (apenas calmantes e que reduzem estados de alucinação, paranoias e afins) da planta, respectivamente. A venda ilegal de cannabis engloba a adulteração do produto, tanto em um aumento substancial da concentração de tetrahidrocannabiol, como no misturar eventual com outras substâncias de modo que o consumidor não sabe exatamente o que está a consumir. Em Portugal, no ano de 2017, a potência do cannabis apreendido, em forma de haxixe, foi de 14% de tetatrahidrocannabiol, contribuindo para a aparição de psicopatologias com sintomatologia psicótica (Ferdinand, van der Ende, Bongers, Selten, Huizink & Verhulst, 2005), principalmente de esquizofrenia. Também há registos de aparição de sintomatologia de perturbações de humor, tais como ataques de pânico, depressão e a síndrome amotivacional, cujo próprio nome indica a falta de motivação, de energia e apatia. Para além disso, a exposição prolongada ao cannabis pode produzir incapacidade cognitiva durável, com danos nos processos de aprendizagem e memorização.

A abstinência é rara e breve, podendo haver sintomas de irritação, ansiedade e insônia ao longo de duas semanas, em média.


Opioides e Opiáceos/ Ópio, Morfina e Heroína


No ano de 2016, a Organização Mundial da Saúde registou 34 milhões de usuários de opioides e 19 milhões de usuários de opiáceos. Em Portugal a prevalência do consumo de heroína é de 0,5% da população.


Efeitos

O consumo de opiáceos/opióides provoca um estado de leveza e euforia que pode durar horas, relatado também como produtor de maior eficiência e rapidez da memória e fluxo de pensamentos, provocando grandes “insights”. Como depressores do Sistema Nervoso Central, aliviam as sensações de angústia e dor. Provocam também náuseas e sonolência. Seu abuso pode levar à como e à morte.


Consequências

Estas substâncias são altamente viciantes e rapidamente se desenvolve tolerância às mesmas, necessitando de cada vez maiores doses. A longo prazo ocorrem reduções nas respostas de prazer e gratificação do corpo, assim como incapacidades na aprendizagem e também uma crescente intolerância ao estresse. Sendo uma substância altamente neurotóxica, há grande degradação irreversível do sistema nervoso, de modo que mesmo as funções mais básicas como o tempo de reação à estímulos é reduzido. Há também danos frequentes nos sistemas respiratório e digestivos, com frequentes casos de hipóxia (falta de oxigénio) em diferentes regiões do organismo. Seu uso pode ser benéfico apenas em casos em que uma pessoa está a sofrer de muita dor, usando-se por exemplo a morfina.


A abstinência caracteriza-se por lacrimejamento, coriza, bocejos, sudorese, inquietação, ansiedade, insônias, arrepios, cãimbras e dores musculares intensas.


Cocaína


No ano de 2016, a Organização Mundial da Saúde registou 18 milhões de usuários de cocaína. Em Portugal a prevalência do consumo de cocaína é de 0,4% da população.


Efeitos

Seus efeitos incluem grande estado de euforia e agitação, juntamente com aumento do estado de alerta e de confiança, aumento da concentração e diminuição do sono. A nível de complicações clínicas estão incluídas a taquicardia, a vasoconstrição (redução do volume das veias), a hipertensão e ataque cardíaco fulminante. Com o tempo a euforia é substituída pelo cansaço, tristeza e/ou apatia.


Consequências

A substância é altamente aditiva e o consumo prolongado pode levar a deficiências das funções motoras, agressividade, paranoia, dificuldades de aprendizagem, de resolução de problemas e de memorização, para além de alterações repentinas de humor e alucinações. A cocaína pode provocar e induzir o desenvolvimento de patologias do tipo psicótico assim como perturbações de humor (bipolaridade, depressão e ansiedade).


A abstinência é marcada por fortes crises depressivas, muita sonolência e convulsões musculares.


Anfetaminas - Metanfetamina (MA) e Ecstasy (MDMA).

No ano de 2016, a Organização Mundial da Saúde registou 34 milhões de usuários de anfetaminas e de estimulantes prescritos. Em Portugal a prevalência do consumo de anfetaminas é de 1,1% da população, sendo o ecstasy (MDMA) consumido maioritariamente pela população jovem (15-34 anos).


Efeitos Gerais das Anfetaminas

Os seus efeitos podem durar entre 2 a 8 horas e caracterizam-se por euforia, interesse acentuado em todos os estímulos e ampliação dos sentidos, aumento de energia, força e agitação psicomotora, assim como aumento da frequência cardíaca, da pressão arterial e do estado de alerta. Pode também produzir efeitos adversos como insónia, agressividade, anorexia (perda absurda e abaixo da normalidade de peso), irritabilidade, bruxismo (mantes os dentes fortemente pressionados), impulsividade, ataques de pânico, alucinações, hipertermia (sobreaquecimento do corpo) e desidratação, taquicardia, paranoia, convulsões e acidente vascular cerebral. No entanto, apesar dos riscos o seu uso acompanhado tem sido visto como uma forma eficaz de tratamento para pacientes que sofrem de perturbação de stress pós traumático (Fontes, E. V. B., Porto, C. P. S., de Alencar Neto, J. P., de Campos, V. A. M., de Oliveira, L. C., & Carvalho, L. F. C.; 2022).


Consequências

A tolerância desenvolve-se rapidamente e a abstinência caracteriza-se por fadiga, depressão, ansiedade e craving (desejo e necessidade de usar a substância) acentuado. O consumo prolongado da substância leva à degeneração cerebral (muitas vezes irreversível), perturbações do sono, de humor (ansiedade, síndrome do pânico, depressão), à perda de apetite, redução nas respostas de gratificação e de prazer, alterações metabólicas e a insuficiências motoras e de aprendizagem, assim como pode levar a sintomas psicóticos predominantemente paranoides. Dentre a especificação de características psicóticas induzida pelo uso de anfetaminas, podem ser citadas: movimentos estereotipados e bizarros, atividades repetitivas e sem finalidade como ficar a bater e emitir sons de objetos, repetição de palavras isoladas e discurso monossilábico, escrita e desenho estereotipados, monólogos em coletivo, isolamento social com resposta inadequada ao estímulo social, perturbações da sexualidade como impossibilidade de ejaculação e alucinações e ilusões de diferentes naturezas( auditivas, visuais, tácteis, olfativas). Há também estudos que sugerem que o consumo de metanfetaminas(MA) e de MDMA aumentam as chances do desenvolvimento da doença de Parkinson.


Diferenças entre Metanfetaminas (MA) e Ecstasy (MDMA)

A metanfetamina, também conhecida por crystal meth é uma substância que provoca grave e rápida dependência, assim como aumento da tolerância. A droga é mais popularizada nos EUA, México e na América do Sul. A substância é altamente tóxica, comprometendo os sistemas cerebrais e cardiovasculares. O uso de metanfetamina é comumente associado à indução de psicose, assim como à transtornos de humor conjuntos de comportamentos agressivos e tendências homicidas. O comportamento de usuários é altamente instável, tanto sua percepção, pensamentos e memória, assim como seu estado emocional. Dado o comprometimento fisiológico e psiquiátrico elevados relacionados à substância, assim como sua característica altamente aditiva, os usuários comumente iniciam comportamentos delinquentes como furtos e envolvimento com o crime em nome de continuar a consumir a substância e, também, devido à sua dificuldade de reinserção social.


Os efeitos do ecstasy podem durar até 8 horas e caracterizam-se por euforia, desinibição social, aumento da sensibilidade ao toque e outros sentidos, percepção de cores mais fortes e possíveis alucinações, diminuição do apetite e aumento da sede, impulsividade, aumento do desejo sexual, instabilidade emocional, entre outros efeitos comuns às anfetaminas. O uso prolongado pode levar a degenerações cerebrais irreversíveis, havendo complicações comportamentais, fisiológicas assim como problemas psiquiátricos marcados pela perturbação da memória, da atenção, das capacidades de aprendizagem, da tomada de decisões, capacidade de autocontrolo, desenvolvimento de depressão e ataques de pânico, bem como de quadros psicóticos, como paranoia, despersonalização, desrealização e delírio. (paranoicos principalmente).

Os sintomas mais comuns da abstinência de MDMA são depressão, fraqueza muscular, cansaço, insónia e paranoias.

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Dietilamida do ácido Lisérigo (LSD)


Em Portugal a prevalência do consumo de LSD é de 0,4% da população.


Efeitos:

Os seus efeitos podem durar até de 5-12 horas e possui efeitos alucinogénicos e de alterações do humor(mudanças radicais de humor), do pensamento e das capacidades de atenção, memorização e resolução de problemas. Inclui experiências de dissociação(sentir-se separado da realidade ou do próprio corpo), desorientação espacial e da noção de passagem do tempo, sinestesia (mistura e sobreposição dos sentidos, ex: sentir o cheiro de cores), aumento da sensibilidade dos sentidos, aumento da percepção das cores, visualização de fractais, experiências de irrealidade, assim como paranoia, pânico, delírios, piora de concentração e aceleração do pensamento. Os usuários relatam as experiências de modo que se pode ter uma imersão em uma “good trip” ou “bad trip”, sendo a primeira reconhecida como uma experiência prazerosa, de expansão da consciência, criatividade e insights e, a segunda, marcada pelo pânico e medo de aniquilamento, assim como de culpabilidade que podem culminar em atos suicidas. Dentre os efeitos físicos podem ser citados dilatação das pupilas, calafrios, aumento da frequência cardíaca, diminuição do apetite, insónias, tremores, boca seca e hiperglicemia.


Consequências:

A tolerância desenvolve-se rapidamente a níveis físicos e psicológicos e não há sinais de abstinência. Em longo prazo pode levar a distúrbios do sono, de humor (depressão, ansiedade e bipolaridade) e, mais comumente a episódios psicóticos agudos ou crônicos, isto é, ao desenvolvimento de esquizofrenia. É comum também o re-experienciar de efeitos da substância muito tempo após o seu uso (flashbacks), uma vez que a substância não é metabolizada e permanece no corpo. Há também fenômenos conhecidos como a indução de psicose postergada no tempo, quando há uma espécie de flashback de maior severidade após passados meses desde a última utilização da substância.


Cogumelos Alucinógenos, Psilocibina


Em Portugal a prevalência do consumo de cogumelos alucinógenos é de 0,2% da população.


Efeitos:

Seus efeitos são semelhantes aos reportados pelo LSD, entretanto os efeitos são mais ligeiros e duram menos, para além da substância ser metabolizada pelo corpo. São reportados sentimentos de alegria e de felicidade, distorções do pensamento e da percepção do espaço e do tempo, maior sensibilidade a estimulos e aumento dos sentidos, experiências dissociativas, tontura, sonolência, dificuldade de concentração, fraqueza muscular, náuseas e falta de coordenação. Muitos usuários reportam experiências de comunhão com a natureza, com a própria história de vida e a resolução de conflitos internos.


Consequências:

Não há relatos de dependência nem aumento de tolerância para a substância, entretanto o uso da substância pode levar a psicoses semelhantes à esquizofrenia. Na Holanda, onde o consumo de “cogumelos mágicos” é legalizado, estudos apontam para a relativa segurança do produto, entretanto a problemática se centra na indução de ataques de pânico e flashbacks mais ou menos prolongados no tempo. Usuários relataram a experiência com cogumelos enquanto uma das mais desafiantes, não tendo tido o suporte social preciso (um dos fatores negativos com a legalização sem critérios de acompanhamento por algum profissional) e tendo posto tanto a si mesmo( incluindo tentativas de suicídio) como outros em risco (Carbonaro, Bradstreet, Barrett, MacLean, Jesse, Johnson & Griffiths, 2016). Caso o uso fosse acompanhado e integrado em processos terapêuticos, poderia ser uma grande ferramenta para certos pacientes.


Dimetiltriptamina (DMT)


Em Portugal a prevalência do consumo de novas substâncias, com particular atenção ao DMT, é de 0,3% da população e 0,5% da população jovem (15-34 anos). O DMT tem se popularizado com a expansão da medicina xamânica, do consumo de enteógenos ( substâncias de origem natural que vêm sendo usadas tradicionalmente em rituais indígenas) e utilização do chá de ayahuasca ou chá do Santo Daime internacionalmente. Estas substâncias são comumente utilizadas em tribos indígenas com fins espirituais e ritualísticos da América do Sul, como o Brasil, Colômbia, Bolívia e Peru.


Efeitos

Usuários relatam a experiência como a mais forte a nível psicodélico e alucinatório, recorrendo a expressões como a “unificação com o cosmo”, “a morte do ego”, "o renascimento,” "acesso ao transcendente”, e autoconhecimento. Diferentemente do que ocorre com o consumo recreativo de LSD e cogumelos, o chá de ayahuasca se dá habitualmente em contexto estruturado guiado ora por terapeutas ocupacionais e xamãs, ora outros conhecedores dos efeitos da substância de diferentes áreas. Para além dos efeitos psicodélicos referidos, o mais comum reportado são as náuseas e vômitos. Usuários também reportam ataques de pânico durante a experiência.


Consequências

A substância tem sido estudada, e em muitos casos se verifica contribuições para o tratamento de toxicodependentes, assim como de depressão. O uso muitas vezes é reportado como um divisor de águas para as pessoas, tendo estas se tornado mais conscientes e mais plenas após o seu uso. A substância ainda reduz a capacidade de julgamento e a reatividade, aumentando a consciência pessoal e do outro e contribuindo para efeitos terapêuticos de autoconhecimento profundo. Há entretanto, casos reportados acerca de psicose induzida pelo uso, para além de que são requeridos mais estudos para se conhecer a natureza dos efeitos e consequências desta substância e pouco se sabe acerca do consumo fora dos contextos ritualísticos estruturados os quais, em si, modificam a natureza da experiência.


Mescalina


A mescalina é outra substância presente em enteógenos, tais os cactos Peyote no continente americano. A substância, assim como o DMT, também foi inicialmente utilizada por tribos indígenas com fins espirituais e ritualísticos.


Efeitos

Os efeitos da mescalina também são de caráter psicodélico, sendo mais associados a episódios agudos e passageiros de dissociação, delírios e alucinações. Também se incluem a maior fluidez de ideias e pensamentos e a exacerbação dos traços de personalidade pré-existentes de um indivíduo.


Consequências

O uso está associado ao desenvolvimento de esquizofrenia e outras psicoses.


Ketamina


A ketamina (originalmente um anestésico para cavalos) tem sido utilizada em ambientes de festas tais como clubs e raves, juntamente ao consumo de outras substâncias conhecidas nos meios noturnos tais o MDMA, a Cocaína e o LSD.


Efeitos

Os efeitos duram em média duas horas, caracterizados por alterações das sensações e da percepção, incluindo sensação de quase morte, delírios místicos, alucinações, amnésia e aumento da força e resistência física.


Consequências

A ketamina é altamente tóxica, de modo que em humanos, há evidência de lesões irreversíveis estruturais no cérebro de usuários, com degeneração da substância branca cerebral. Seu consumo também causa problemáticas a níveis do sistema circulatório, assim como o seu uso prolongado está associado às psicopatologias de estrutura psicótica, tais como dissociações, alucinações, flashbacks contínuos, desenvolvimento de perturbação esquizofrênica, catatonia, depressão, entre outros.


Por fim, é importante reiterar que apesar das graves consequências ao nível psicológico ocorrerem predominantemente após o uso prolongado, é possível, particularmente com substâncias psicotrópicas e psicodélicas (cannabis, anfetaminas, LSD, etc.) a indução de perturbações psicológicas após o primeiro uso. O que está em questão não é a droga em si, mas a complexa interação específica desta com o consumidor e caso este tiver alguma vulnerabilidade psicológica e/ou psiquiátrica latente, muitas vezes basta apenas um uso para despertar aquilo que poderia ter ficado adormecido.




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